Preta, mineira, mulher. Conceição Evaristo é uma brasileira que faz a diferença na literatura nacional pós-modernista, período marcado pela multiplicidade de identidades e estilos.
Em um bate-papo na Caixa Cultural em Brasília, dia 26/11, ela falou sobre “Literatura, memória e escrevivência”, termo que criou para falar sobre “escrever” e “vivência”. Conceito esse que já vem sendo utilizado na pedagogia, filosofia, história, entre outras áreas, e sobre o qual Conceiçao tem a preocupação de que sempre os usuários levem consigo o conceito de um termo que nasce na perspectiva de mulheres negras, que traduz uma vivência de escravização, de coletividade. “Não pensem que escrevivência é moda, leiam sobre isso para não perder a perspectiva ancestral histórica.”
Conceição traz ao leitor a vivência, a rotina e o modo de viver da mulher no Brasil, especialmente a preta. Escritora de contos, romances, poesias e ensaios tratam de questões ligadas à ancestralidade e afrobrasilidade.
“A gente combinamos de não morrer”. Essa é a luta, o pacto de vida, como diz Conceição. Seu trabalho quer trazer ao mundo a humanidade de seus personagens. Mostrando o que as pessoas pretas sentem, como amam, o que pensam do futuro, suas indagações diante da vida e do amor. Geralmente o que é trazido é quase uma ideia caricata, do negro periférico e sofredor, como um molde social.
Em Ponciá Vivêncio, seu romance de estreia e trabalho mais famoso, publicado em 2003, por meio de um personagem criança, que sofre na vida de seu pequeno “sinhô”, quando os dois têm a mesma idade, Conceição traz a indagação do pequeno ao seu pai, em por quê continuam sofrendo, sendo humilhados, quando já são livres. E a resposta dela é que a servidão do preto na escravização já estava incutida em seu interior, em seu psíquico.
O bate-papo com Conceição foi realizado um dia após a marcha das mulheres negras em Brasília, que reuniu mais de 300 mil pessoas.
Sobre o processo de escrever, a autora afirma que escolher a palavra certa para expressar sentimentos e situações é muito difícil, sendo que por vezes os gestos dizem muito e não precisam de palavras. E por isso, quando se está a pensar, a divagar, não pode ser interrompida, quanto até mesmo uma interjeição pode valer por diversas linhas escritas. “Buscar a palavra escrita é sedutor, é edificante.”
Ela convoca todos a lerem seus textos com algum conhecimento da cultura africana, de seus deuses e crenças, para que possam ampliar a compreensão do texto. A crítica é que sempre temos como referência a mitologia grega, a história europeia, mas ter outras culturas é muito importante. E podemos conferir o peso dessas palavras pelo surgimento de tantos escritores pretos, por estarem colocando em cada vez mais em evidência os aspectos de suas realidades.
Ela ainda explica que o espelho de Narciso, que possui um reflexo de padrão branco, não representa o negro. Que sejam refletidos no espelho os reflexos de Oxum e Iemanjá, de modo a fortalecer a subjetividade negra. A escrevivência tem como propósito a escrita coletiva, não narcísica, não individualizada, mas com uma representatividade do movimento negro.
